Do arroz ao afeto: como a psicanálise explica a repetição de padrões familiares
- Vitoria Zawitoski
- 4 de nov. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 2 de set.
Eu lembro quando era pequena de comer o arroz que minha mãe fazia quase todos os dias. Era o arroz mais delicioso da minha vida. Ela refogava a cebola, depois o arroz e colocava a água, sempre na medida de um copo de arroz para dois de água. Logo estava pronto. Não havia nada melhor: aquele cheirinho de arroz soltinho, acompanhado de feijão preto e paio. Foram muitos dias vivendo essa mesma experiência até que, já mais velha, fui à casa de uma amiga almoçar. Começamos pela salada, mas quando chegou a hora do arroz levei um susto: aquilo tinha gosto de outra coisa, parecia alho. Olhei ao redor e todos comiam normalmente, mas para mim aquilo era diferente. O arroz que eu aprendi a comer não tinha alho. Foi assim que descobri que existem outros jeitos de preparar algo que, até então, parecia ter apenas uma única forma.

Mas o que um texto sobre arroz faz em um blog de psicanálise?
O ponto aqui é a repetição de padrões familiares. Muitas vezes crescemos acreditando que aquilo que aprendemos em casa é o normal, o único jeito possível de viver. Quando chegamos à vida adulta, percebemos, algumas vezes com surpresa, que existem outras formas, algumas até mais saudáveis. Só que nem sempre conseguimos notar essas diferenças, porque a repetição de padrões familiares se torna tão natural que deixamos de questionar.
Crescer em uma família sem a atenção necessária, com excesso de cobranças, violência, falta de afeto ou comunicação através de gritos, pode nos levar a reproduzir essa mesma dinâmica mais tarde. Afinal, para aquela criança, existia apenas um jeito de “fazer arroz”. Assim, os relacionamentos e escolhas na vida adulta podem refletir a repetição de padrões familiares que foram internalizados desde cedo.
É por isso que precisamos nos perguntar: até onde aquilo que aprendemos na infância é realmente normal ou saudável? E até onde queremos carregar esses modos de viver para a vida adulta? Romper com esses ciclos é possível. Podemos aprender novas formas de nos relacionar e de estar no mundo — seja em algo simples, como experimentar um arroz diferente, ou em algo mais profundo, como nossas escolhas amorosas, nossa forma de lidar com afetos e a maneira como desejamos nos portar diante da vida.
A psicanálise nos ajuda justamente nesse processo: reconhecer a repetição de padrões familiares, compreendê-la e, quando for necessário, abrir espaço para transformar nossa história.


